Adiléia Silva da Rocha
(Rio de Janeiro/RJ, 07 de junho de 1930)
(Rio de Janeiro/RJ, 24 de outubro de 1959).
Dolores Duran foi uma cantora, compositora e instrumentista brasileira. Adiléia nasceu numa casa humilde, em uma vila, no bairro da Saúde, Zona Central do Rio de Janeiro, onde morou por alguns anos. Dolores Duran teve uma infância pobre e não conheceu seu pai biológico. Dolores cresceu ao lado de sua mãe, seu padrasto e suas duas meias-irmãs. Ainda na infância, Dolores se mudou para um cortiço no bairro da Piedade, onde foi criada. Desde criança, Adiléia gostava de cantar e sonhava em ser famosa. Aos oito anos de idade, Adiléia contraiu uma febre reumática, que quase a levou à morte e que deixou como sequela um sopro cardíaco gravíssimo. Aos doze anos de idade, influenciada pelos amigos e convicta de seus sonhos pessoais, Dolores Duran resolveu, com a permissão da mãe, se inscrever num concurso de cantores. Surpreendentemente ela cantou muito bem, como uma profissional, mesmo sem nunca ter estudado música e conquistou o primeiro prêmio no programa “Calouros em Desfile” de Ary Barroso. As apresentações no programa se tornaram frequentes, fixando-a na carreira artística. Contrariando a mãe, Dolores Duran deixou os estudos para se dedicar somente a música. Embora quisesse ser cantora, era muito difícil conseguir de fato uma vaga. Para isso, Dolores fez o único teste disponível no momento, que era para atriz. Dolores gravou o texto, fez uma boa cena e venceu outras candidatas, conseguindo trabalhar como atriz nas rádios “Cruzeiro do Sul” e “Tupi” nesta última no programa "Hora do Guri". Já na adolescência, ainda mantinha o sonho de ser cantora profissional. Dolores Duran trabalhava em casa com a mãe e as irmãs, costurando e lavando roupas para fora e aos finais de semana participava como atriz na rádio, até que conheceu um casal rico e influente, Lauro e Heloísa Paes de Andrade. Heloísa, muito rica, dava saraus e concertos em sua mansão e percebendo a belíssima voz da jovem em um concurso de música, a convidou para se apresentar em sua casa. Muito emocionada, Adiléia aceitou e fez um grande sucesso, chamando a atenção de radialistas que frequentavam a festa, e assim, foi chamada para gravar algumas canções. Eles a ajudam a se tornar realmente uma cantora e a levaram em diversos lugares chiques e reconhecidos, frequentado por famosos. Lauro passa a chamá-la de Dolores Duran, nome inspirado certamente no da atriz americana Dolores Moran, que chegou a ser capa de revista no Brasil. Sem nunca ter estudado línguas, Dolores Duran aprendeu sozinha a cantar em inglês, francês, italiano, espanhol e até em esperanto. Ella Fitzgerald, durante sua passagem pela cidade do Rio de Janeiro, foi à boate “Baccarat” especialmente para ouvir Dolores e se entusiasmou com a interpretação para "My Funny Valentine" - a melhor que já ouvira, declarou Fitzgerald. No início de sua peregrinação pelas boates cariocas, um jornalista passou a elogiá-la constantemente em sua coluna. Esse jornalista era o pernambucano radicado no Rio, Fernando Lobo (compositor bissexto) e pai do músico Edu Lobo, cuja coluna "Mesa de Pista" era publicada no Jornal “O Globo”. Outro jornalista, também pernambucano, também radicado no Rio e que a incentivou muito foi Antônio Maria, que escrevia sobre ela. Dolores Duran passou a receber inúmeros convites para cantar na noite carioca. Ela cantava em diversas boates no mais boêmio e encantador bairro daquela época, a Lapa. Fazendo cada vez mais sucesso, o conservadorismo da época começou a pesar, recebendo críticas da família por beber, fumar e chegar de manhã em casa, mas nada disto a fez desistir do seu sonho de sobreviver exclusivamente da música. Sempre dedicada, Dolores que já tocava violão passou a cantar músicas internacionais no programa "Pescando Estrelas", onde só havia cantoras jovens e conceituadas. Lá ela conheceu e se tornou melhor amiga da cantora da importante “Rádio Guanabara” e da famosa “Rádio Nacional”, Julie Joy. Através de Julie, Dolores começou a cantar na “Rádio Guanabara” e consolidou sua carreira. Dolores Duran sempre ia para a Zona Sul Carioca gravar as músicas nos estúdios da rádio. Dolores decidiu que era hora de ser mais autônoma: Já havia conquistado sua independência financeira, agora era hora de ter sua liberdade pessoal. Com muita tristeza, se despediu da mãe, do padrasto e das irmãs e saiu de casa. Dolores Duran e Julie alugaram um apartamento em Copacabana, pois era mais perto do estúdio da rádio e Dolores não precisaria ir de bonde até Piedade e chegar tarde em casa. Apesar disso, Dolores sempre ia visitar sua família e jamais esqueceu sua origem humilde. Dolores teve muitos namorados. O primeiro foi um garçom da boate “Vogue”, onde cantava. Ele a traiu e arrependido quis voltar. Dona de um temperamento forte, ela não o perdoou. Após outros relacionamentos esporádicos, conheceu e começou a namorar o compositor paraense Billy Blanco, com quem ficou por seis meses. Eles eram muito unidos e Dolores gravou algumas de suas canções, já que Billy escrevia várias letras. Dolores também escrevia algumas letras, que ele gravou. Após o término amigável, manteve outros relacionamentos, até que iniciou um namoro com João Donato. A relação também durou seis meses. Entretanto, a intenção de ficarem juntos sofreu o preconceito social e racial: A família não aceitava que ele namorasse uma cantora da noite, mulata e mais velha que ele. De noivado marcado, ele acatou a decisão da família e abandonou Dolores, indo viver no México. Sofrendo muito com tudo isso, Dolores Duran compôs músicas intensas e de muito sucesso nessa época. Dolores passou a cantar nas sofisticadas boates do famosíssimo “Hotel Glória” sendo convidada para viajar em turnês pelo Brasil. A estreia de Dolores em disco foi com “Músicas Para o Carnaval” gravando dois sambas para o carnaval do ano seguinte, "Que Bom Será" e "Já Não Interessa". Dolores Duran gravou "Outono" e "Lama". Depois vieram as canções "Canção da Volta", "Bom é Querer Bem", "Praça Mauá" e "Carioca" . Dolores Duran foi vítima de um infarto, tendo passado trinta dias internada. Isto aconteceu porque Dolores resolveu não seguir as restrições que os médicos lhe determinaram, como dormir cedo, evitar bebidas e cigarro e não vivenciar fortes emoções. Por não seguir tais recomendações, acabou agravando seus problemas cardíacos, pois abusava do cigarro, fumando mais de três maços por dia e da bebida alcoólica, principalmente vodka e uísque, que sempre a acompanhavam na noite e às vezes durante o dia. Dolores Duran temia a morte e convivia com isso desde criança, então, queria viver intensamente tudo o que tinha para viver, Dolores se entregava totalmente aos seus desejos sem pensar no amanhã. Nas madrugadas, sem conseguir dormir e sozinha, ela escrevia suas letras nas mesas dos bares, bebendo e fumando, ouvindo boleros, salsas, choros e sambas. Dolores Duran se inspirava em seus casos amorosos, suas alegrias e tristezas para compor. Na gravadora “Copacabana”, Dolores Duran conheceu o ator, cantor e compositor Macedo Neto de quem gravou diversos sambas. Os dois iniciaram uma amizade e logo se apaixonaram. Após alguns meses de namoro, Dolores descobriu estar grávida, mas não havia planejado. Um pouco assustada, mas muito feliz, saiu do apartamento que dividia com sua amiga Julie Joy e foi morar na casa de Macedo Neto. Preparando o enxoval do bebê e os documentos para o casamento oficial. Com dois meses de gestação, Dolores teve uma forte metrorragia e foi internada. Lá descobriu que sofreu um aborto espontâneo e que por ter sido uma gravidez ectópica havia ficado estéril. Este fato a abalou profundamente e a fez entrar em depressão. O casal, então, tentou fortalecer a união e tentando se recuperar desse episódio, Dolores e Macedo se casaram em uma pequena cerimônia civil, com uma discreta reunião para amigos íntimos e familiares. Dolores Duran passou a assinar Adiléia Silva da Rocha Macedo. Dolores ficou muito triste, pois sua mãe não compareceu ao seu casamento. Só uma de suas irmãs compareceu à cerimônia. Com o tempo, as brigas devido ao machismo e ciúmes do marido aumentaram consideravelmente. Entre indas e vindas, ela descobriu que seu marido proibiu sua mãe de comparecer ao casamento por ela ser negra. Após se sentir atacada por tamanho preconceito, Dolores Duran entrou com o pedido de separação, porém, após meses separados, ela o perdoou e ambos voltaram. Após mais um ano de um casamento recheado de muitas discussões e brigas violentas, com muitas humilhações, agressões e traições, Dolores optou pela separação e saiu de casa. Muito abalada e sofrendo de insônia, Dolores Duran passou a misturar calmantes com bebida alcoólica, além de fumar mais que antes. Em referência à mais uma separação dolorosa que teve, Dolores compôs a canção "Fim de Caso", gravado em 78 rpm, um estrondoso sucesso que a levou direto para a Europa, onde ela cantou e se apresentou em diversos países, nas mais conceituadas casas de show. Lá, ela montou um conjunto musical, com cantores e compositores brasileiros e europeus. Passou a se apresentar dia e noite, fazendo muito sucesso. Daí foi cantar no Uruguai, na União Soviética e na China, na companhia de seu conjunto musical, mas o conjunto musical se desfez, por desentendimento dela com o grupo, que queria que ela cantasse ritmos que ela não queria cantar. Separada do grupo, Dolores passou a viajar sozinha por diversos países em uma turnê e então, realizou um de seus grandes sonhos, que era conhecer Paris. Fazendo diversos shows pela cidade luz, Dolores Duran viveu lá por seis meses. De volta ao Brasil, Dolores Duran fez muito sucesso na TV e nas rádios com a canção "A Fia de Chico Brito", composta por Chico Anysio. Dolores Duran realizou o maior sonho de sua vida e recebeu a maior bênção que podia ter, uma filha. Sua empregada, Rita era amiga da mãe da menina, que faleceu no parto, pois não aguentou ter perdido o marido num dos maiores acidentes de trem do Rio de Janeiro. Sem ter condições financeiras de criar a menina e por ser solteira, Rita levou a bebê com três dias de vida para sua patroa conhecer. Dolores se encantou pela menina e a queria como sua filha. Tentando entrar com o pedido de adoção, mais uma vez o preconceito se fez presente, por ela ainda ser casada, tendo que constar o nome de seu marido na certidão da criança. Como Dolores também não possuía o nome de seu pai no seu registro, pensou em todo preconceito social que a filha sofreria. Como ainda era apaixonada por Macedo e ele sempre insistia para reatarem o matrimônio, ela resolveu procurá-lo. Após conversarem, ele decidiu provar que se arrependeu de seus preconceitos e aceitou adotar esta menina negra e órfã. Eles então tiveram o pedido de adoção concedido pela justiça e conseguiram a guarda oficial da menina e a batizaram de Maria Fernanda da Rocha Macedo. Mesmo se dedicando a vida de esposa e mãe, os compromissos profissionais só se intensificavam. Tentando criar hábitos saudáveis, era muito difícil controlar sua ansiedade, insônia e temperamento forte, o que a fazia recorrer aos barbitúricos, cigarros e bebidas alcoólicas, a deixando muito culpada e depressiva. As constantes brigas entre o casal voltaram. Ele queria que a esposa deixasse a vida profissional para cuidar do casamento e da filha. Após descobrir novas traições e cansada de sofrer com os ciúmes, humilhações e agressões do marido, Dolores terminou definitivamente o casamento e os dois se desquitaram. Dolores voltou a assinar seu sobrenome de solteira, vendeu seu apartamento e comprou um casarão na Zona Sul do Rio de Janeiro, para onde levou sua mãe que vivia sozinha, pois estava viúva. Recém desquitada e fazendo cada vez mais sucesso, um jovem compositor apresentou a Dolores uma composição dele e de Vinícius de Moraes. Tratava-se de Antônio Carlos Jobim em início da carreira. Em três minutos Dolores pegou um lápis de sobrancelha e compôs a letra da canção "Por Causa de Você". Vinícius ficou encantado com a letra e, gentilmente, cedeu o espaço a Dolores. Foi revelado, a partir daí, o talento de Dolores para a composição e grandes sucessos, como "Estrada do Sol", "Ideias Erradas", "Minha Toada" e "A Noite do Meu Bem", entre outros. No entanto, não gravou todas as suas composições, pois o seu repertório estava mais centrado no lado intérprete, além de que seu lado compositora surgiu mais especificamente nos dois últimos anos de sua curta vida. Nesse período compôs algumas das mais marcantes canções da MPB, como "Castigo" e "Olha o Tempo Passando", entre tantas outras. Seu parceiro mais constante foi o pianista Ribamar. Após ter se relacionado amorosamente com diversos atores, compositores e cantores, Dolores Duran conheceu um músico mais jovem, chamado Nonato Pinheiro. Ele gostou da cantora e em pouco tempo de amizade, começaram a namorar. Dolores Duran foi um grande expoente, como cantora e compositora, do gênero samba-canção. Além dela se destacaram nesse gênero Maysa Matarazzo, Nora Ney, Dalva de Oliveira e Ângela Maria. O gênero samba-canção antecedeu o movimento da bossa nova. Depois de um show na boite “Little Club”, Dolores Duran saiu com seu namorado, Nonato e com amigos, incluindo Julie Joy, para uma festa musical da alta sociedade, somente para artistas selecionados, no requintado “Clube da Aeronáutica”. Ao sairem do evento, resolveram fechar a noite bebendo, dançando e ouvindo canções na boate “Kit Club”. A cantora chegou em casa muito alegre, às sete da manhã. Em seguida, após dar banho e se divertir com sua filha na banheira, arrumou a menina e a entregou para a babá, pois ia dormir, já que tinha um show para fazer à noite. Mesmo cansada, estava tranquila e, muito simpática, passou os últimos cuidados à empregada Rita: "Não me acorde. Estou cansada. Vou dormir até morrer!", disse brincando e sorrindo. No quarto, enquanto dormia, sofreu um infarto fulminante - que, à época, foi associado a doses excessiva de barbitúricos, cigarros e bebidas alcoólicas. Macedo Neto criou a filha adotiva deles.