Clementina de Jesus da Silva
(Valença/RJ, 07 de fevereiro de 1901)
(Rio de Janeiro/RJ, 19 de julho de 1987).
Clementina de Jesus foi uma cantora brasileira de samba. Clementina também era conhecida como Rainha Ginga, Tina ou Quelé. Três outras maneiras de chamar Clementina de Jesus, com a imponência do título de realeza e com a corruptela carinhosa de seu nome. Clementina evocava tais sentimentos aparentemente contraditórios. A ternura e o profundo respeito. Nascida na comunidade do Carambita, bairro da periferia de Valença e tradicional reduto de jongueiros no sul do Rio de Janeiro, Clementina era filha da parteira Amélia de Jesus dos Santos e do capoeirista e violeiro Paulo Batista dos Santos. Clementina se mudou com a família para a capital aos oito anos de idade, se radicando no bairro de Oswaldo Cruz, tendo estudado em regime de semi-interno no “Orfanato Santo Antônio” onde desenvolveu crença católica. Criança, Clementina aprendeu, com sua mãe, rezas em jejê nagô e cantos em dialeto provavelmente iorubano. Destas influências resultou um misticismo sincrético e uma musicalidade marcada pelo samba e cantos tradicionais de escravizados do meio rural. Lá, Clementina acompanhou de perto o surgimento e desenvolvimento da escola de samba “Portela”, frequentando desde cedo as rodas de samba da região. Quando se casou, aos trinta e nove anos, se mudou para a Mangueira. Clementina de Jesus trabalhou como doméstica por mais de vinte anos, até ser "descoberta", com mais de sessenta anos, pelo compositor Hermínio Bello de Carvalho, que a levou para participar do show "Rosa de Ouro", que rodou algumas das capitais mais importantes do Brasil e virou disco pela “Odeon”, incluindo, entre outros, o jongo "Benguelê". Devota da “Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro”, Clementina participava de festas das igrejas da Penha e de São Jorge, cantando canções de romaria. Considerada rainha do partido alto, com seu timbre de voz inconfundível, Clementina de Jesus foi homenageada por Elton Medeiros com o partido "Clementina, Cadê Você?" e foi cantada por Clara Nunes com o "P.C.J, Partido Clementina de Jesus", de autoria do compositor da “Portela”, Candeia. Além deste gênero, Clementina de Jesus gravou corimás, jongos, cantos de trabalho, etc., recuperando a memória da conexão afro-brasileira. Com a produção de Hermínio Bello de Carvalho, Clementina registrou o histórico LP "Gente da Antiga" ao lado de Pixinguinha e João da Baiana. Clementina de Jesus gravou cinco discos solo (dois com o título "Clementina de Jesus", "Clementina, Cadê Você?" e "Marinheiro Só") e fez diversas participações, como nos discos "Rosa de Ouro", "Cantos de Escravos", “Clementina e Convidados” e "Milagre dos Peixes” de Milton Nascimento, em que interpretou a faixa "Escravos de Jó". Clementina de Jesus foi homenageada por um espetáculo no “Teatro Municipal” do Rio de Janeiro, com a participação de Paulinho da Viola, João Nogueira, Elizeth Cardoso e outros nomes do samba. Com a ternura de negra velha sorridente, todos com quem se envolvia tinham a compulsão de chamá-la “Mãe”. Uma pessoa capaz de interromper um depoimento dado à televisão para discutir sobre o café com a moça que o servia. Um brilho especial nos olhos que cativou dos mais humildes ao imperador Haile Selassiê. Talvez por ter trabalhado tantos anos como empregada doméstica e ter começado a carreira artística aos sessenta e três anos, Clementina de Jesus nunca tratava ninguém de forma diferente devido à posição social. O respeito ao peso ancestral de sua voz - uma África que estava diluída em nossa cultura - é evocada subitamente na voz e nos cânticos que Clementina aprendeu com sua mãe, filha de escravos. Clementina de Jesus surgiu como o elo perdido entre a moderna cultura negra brasileira e a Mãe África. Clementina de Jesus causou fascinação em boa parte da MPB. Artistas tão diferentes como João Bosco, Milton Nascimento e Alceu Valença fizeram questão de registrar sua voz em seus álbuns. Apesar disso Clementina nunca foi grande sucesso em vendagem de discos. Talvez por ter gravado quase que somente temas folclóricos, ou por sua voz não obedecer aos padrões estéticos tradicionais. O que realmente impressionava eram suas fascinantes aparições no palco, onde tinha um contato direto com seu público. Mesmo tendo iniciado tardiamente a vida artística e com uma curta carreira, Clementina de Jesus é sem dúvida uma das mais importantes artistas brasileiras. Clementina de Jesus foi enredo da “Lins Imperial”, agremiação que na época desfilava no “Grupo 1B” (segunda divisão) do “Carnaval” do Rio de Janeiro, da escola de samba “Tradição” com o enredo “Clementina, Cadê Você?”, quando conquistou o vice-campeonato e pela escola paulistana “Mocidade Alegre” com o enredo "Quelémentina, Cadê Você?". Clementina de Jesus foi uma das homenageadas no enredo - desenvolvido por Joãozinho Trinta - "A Grande Constelação das Estrelas Negras", da “Beija Flor” de Nilópolis no “Carnaval” do Rio de Janeiro que conquistou o título de campeã. Heron Coelho organizou a biografia “Rainha Quelé - Clementina de Jesus”. O espetáculo musical “Clementina, Cadê Você?” em homenagem a Clementina de Jesus teve duas indicações a prêmio pela revista eletrônica “Questão de Crítica”, Melhor Atriz para Ana Carbatti e Iluminação para Renato Machado. O espetáculo estava na lista dos dez melhores espetáculos, organizada anualmente pelo critico Daniel Schenker. O documentário “Clementina” foi lançado pela “Dona Rosa Filmes” na “Mostra Internacional de Cinema de São Paulo”. Apesar de tudo isso, hoje em dia, apenas o disco “Clementina e Convidados” existe em catálogo. Clementina de Jesus morreu em função de um derrame cerebral.